segunda-feira, 12 de dezembro de 2016


SÉRIE POEMA SEM ROSTO

As gravuras da série POEMA SEM ROSTO referem-se aos tempos de criança. As imagens foram baseadas em fotos da infância de personagens que não podem ser identificados, por não possuir um rosto.

Etimologicamente, infância quer dizer ausência de fala. Essa ausência foi entendida historicamente como incapacidade de falar – o termo latino infans significa “o que não se pode valer de sua palavra para dar testemunho”.

A ausência dos rostos também pode ser interpretada como a ausência de testemunho. Sem palavras, sem lembranças que não estejam livres de fantasias. As gravuras remetem a memórias afetivas, afinal as lembranças da infância tendem a ser envoltas de afetividade, sentimentos vagos de uma época em que éramos felizes, mais do que hoje.
Mas será que todas as infâncias representam um sentimento de nostalgia, relacionado a uma época feliz?

No imaginário coletivo, não raro a ideia de infância é associada a momentos felizes. O que nem sempre é verdadeiro, afinal as crianças não estão imunes a problemas sociais, familiares, escolares e afetivos. Por outro lado, devemos entender que o conceito de felicidade é diferente para cada cultura. Assim, considero que as “infâncias” possuem significados diversos e diretamente relacionados a diferentes aspectos culturais. As tristezas e as alegrias não são padronizadas.

A inspiração para essa obra foi influenciada pelo desejo de suscitar reflexões sobre essas questões e, sobretudo, de um processo reflexivo próprio. Para mim, as memórias de infância também estão relacionadas ao sentimento de pertencimento. A nossa infância traz a noção de que pertencemos a uma família, a um estado, a uma cultura, a uma nação.  E acredito que compreender quem somos, e de qual contexto fazemos parte, possibilita que possamos construir uma identidade cultural que valorize os saberes, a inteligência e a sensibilidade.

Talvez, ao olhar para estes poemas sem rostos, sejamos remetidos à nossa própria infância, a algum episódio, momento ou mesmo sentimento que estava guardado no fundo do nosso baú de memórias. Mas, através dessas imagens despersonificadas, também proponho que possamos, além de enxergar a nós mesmos, descobrir uma infância sem identidade. E, na falta dela, vivenciar um processo de “reumanizacão” dessas crianças, dando-lhes, através da ausência de rosto, a possibilidade de ser mais do que apenas um número de identificação nas carteiras escolares.  

Ivana Lima




"Meninos de Rua"

Sonhos, devaneios, calor, barriga cheia,
Protegidos nas asas de Deus.
(Darya Goerisch)




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