SÉRIE POEMA SEM ROSTO
As gravuras da série POEMA SEM ROSTO referem-se aos
tempos de criança. As imagens foram baseadas em fotos da infância de
personagens que não podem ser identificados, por não possuir um rosto.
Etimologicamente, infância quer dizer ausência de fala.
Essa ausência foi entendida historicamente como incapacidade de falar – o termo
latino infans significa “o que não se pode valer de sua palavra para dar
testemunho”.
A ausência dos rostos também pode ser interpretada como
a ausência de testemunho. Sem palavras, sem lembranças que não estejam livres
de fantasias. As gravuras remetem a memórias afetivas, afinal as lembranças da
infância tendem a ser envoltas de afetividade, sentimentos vagos de uma época
em que éramos felizes, mais do que hoje.
Mas será que todas as infâncias representam um
sentimento de nostalgia, relacionado a uma época feliz?
No imaginário coletivo, não raro a ideia de infância é
associada a momentos felizes. O que nem sempre é verdadeiro, afinal as crianças
não estão imunes a problemas sociais, familiares, escolares e afetivos. Por
outro lado, devemos entender que o conceito de felicidade é diferente para cada
cultura. Assim, considero que as “infâncias” possuem significados diversos e
diretamente relacionados a diferentes aspectos culturais. As tristezas e as
alegrias não são padronizadas.
A inspiração para essa obra foi influenciada pelo
desejo de suscitar reflexões sobre essas questões e, sobretudo, de um processo
reflexivo próprio. Para mim, as memórias de infância também estão relacionadas
ao sentimento de pertencimento. A nossa infância traz a noção de que
pertencemos a uma família, a um estado, a uma cultura, a uma nação. E acredito que compreender quem somos, e de
qual contexto fazemos parte, possibilita que possamos construir uma identidade
cultural que valorize os saberes, a inteligência e a sensibilidade.
Talvez, ao olhar para estes poemas
sem rostos, sejamos remetidos à nossa própria infância, a algum episódio,
momento ou mesmo sentimento que estava guardado no fundo do nosso baú de
memórias. Mas, através dessas imagens despersonificadas, também proponho que
possamos, além de enxergar a nós mesmos, descobrir uma infância sem identidade.
E, na falta dela, vivenciar um processo de “reumanizacão” dessas crianças,
dando-lhes, através da ausência de rosto, a possibilidade de ser mais do que
apenas um número de identificação nas carteiras escolares.
Ivana Lima
"Meninos de Rua"
Sonhos, devaneios, calor, barriga cheia,
Protegidos nas asas de Deus.
(Darya Goerisch)
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